Projeto em Apucarana contribui para destinação correta de resíduos têxteis

O Brasil descarta, anualmente, mais de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis, o que corresponde a 5% de todos os resíduos produzidos no país. A estimativa, feita pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), inclui, entre outros itens, roupas velhas, peças de couro e retalhos da indústria do vestuário, mostrando a complexidade de um problema observado em todas as regiões do país, inclusive no Paraná.

Diversos polos da indústria do vestuário, no entanto, têm buscado alternativas para minimizar esse problema, com programas que buscam o reaproveitamento ou destinação correta de resíduos gerados no processo produtivo de roupas e acessórios. Em Apucarana, no Norte do Estado, uma iniciativa da prefeitura, com apoio do sindicato que representa as indústrias do setor, tem possibilitado a redução dos descartes irregulares de resíduos têxteis.

Iniciado há mais de 3 anos dentro do projeto Apucarana Mais Verde, o programa recolhe atualmente, em média, 100 toneladas de retalhos por mês. O material é desfibrado para que possa ser utilizado na produção de novos fios, que servirão para a fabricação de outros itens, como redes e tapetes.

Perdas inevitáveis na produção
Presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário de Apucarana (Sivale), a empresária Elizabete Ardigo explica que a geração de resíduos é inevitável nas linhas de produção do setor. Por mais eficientes que sejam os processos de corte de tecidos para fabricação de camisetas, bolsas ou bonés – item que rendeu à cidade o título de Capital Nacional do Boné, já que é a maior produtora desse acessório no país –, não é possível fazer uso de 100% do material. “Por causa dos encaixes necessários para fazer os cortes de cada peça, é impossível não ter perdas”, diz ela, que é também diretora da indústria B2 Brindes.

Segundo suas estimativas, para se fazer cinco camisetas, utiliza-se aproximadamente 1 quilo de malha, sendo que 14% do tecido – ou 140 gramas – são perdidos com os recortes. Na confecção de bonés, são utilizados 10,6 metros de tecido para se produzir 100 unidades. Como a perda estimada é de 22,64%, cerca de 2,4 metros acabam sendo desperdiçados no processo de corte. “Temos em torno de 1.500 empresas do setor em Apucarana, que produzem em média 5 milhões de camisetas e 5 milhões de bonés por mês, então é muito resíduo gerado”, explica.

Elizabete afirma que muitas indústrias, especialmente as que fornecem para grandes marcas ou magazines e, por isso, passam por processos de auditoria, possuem planos consolidados de gerenciamento de resíduos sólidos. Porém, pelo grande volume de empresas e das chamadas facções – profissionais que geralmente trabalham em sua própria residência absorvendo parte da produção de indústrias maiores –, nem sempre havia um controle sobre a destinação dos resíduos. Um problema que foi amenizado com o projeto da prefeitura. “Antes dessa parceria com a prefeitura, muitas empresas jogavam em terrenos baldios ou colocavam no lixo comum, o que não pode”, diz a presidente.

Passivo ambiental
O prefeito de Apucarana, Sebastião Ferreira Martins Júnior, mais conhecido como Júnior da Femac, explica que esse cenário gerava um passivo ambiental para o município. “Começamos esse projeto porque detectamos retalhos de tecidos sendo descartados nas beiras de nascentes, dos lagos, rios e em terrenos baldios, um problema muito sério”, conta. “Eram centenas de lugares, em que a gente tinha que ir lá com máquinas e com pessoal, tendo toda uma questão de notificações e multas. Mas não iríamos resolver esse problema na base da multa, porque a destinação correta desses produtos demanda uma logística e um custo com que pequenas empresas não conseguem arcar”, completa.

A solução encontrada foi realizar um chamamento público para encontrar uma empresa especializada, a Ecovip, que realiza o serviço de coleta e destinação dos resíduos. Os custos da operação na cidade são arcados pela prefeitura, com o serviço sendo ofertado gratuitamente para as empresas. Para a Ecovip, também foi cedido um barracão para que pudesse armazenar o material. “A empresa faz a coleta com caminhões pequenos, leva para esse espaço, de lá carrega carretas e leva embora para que o produto seja processado e reutilizado”, diz o prefeito.

Após mais de três anos do projeto, os resultados já são sentidos em Apucarana. “Conseguimos ter nossas nascentes, rios e lagos bem mais preservados. Além disso, esse dinheiro que as empresas não pagam fica na mão delas para gastarem, dar em remuneração para os trabalhadores ou comprar uma máquina nova”, afirma Júnior. “A prefeitura não cobra das empresas porque queremos ter adesão delas. E sabemos que esse setor emprega muito, então o município já tem o seu retorno em termos de emprego e de dinheiro circulando”, acrescenta.

Conscientização
O gerente regional da Ecovip, Kleber Cotovia Pimentel, explica que, no início do projeto, a destinação incorreta dos resíduos realmente era um problema no município. “Quando fizemos essa parceria com a prefeitura, por ser um custo não muito barato para descartar, o pessoal descartava muito incorretamente. Então, o projeto reduziu muito o custo para os empresários nessa área e esse pessoal que descartava incorretamente, hoje já está descartando de uma forma correta”, afirma. Atualmente, em média 100 toneladas de resíduos têxteis são recolhidas mensalmente na cidade.

Ele explica que, antes de Apucarana, a empresa já atuava no Paraná em Cianorte e em Terra Roxa, outros importantes polos da indústria do vestuário no Estado. A Ecovip também mantém operações em Santa Catarina, Goiás e Paraíba. “Todo o material coletado tem que ser separado por cor. Aqui no Paraná fazemos esse trabalho de separação e, depois, em Santa Catarina, é feita a desfibra e o tecido volta a ser como se fosse um algodão. Isso é enviado para a Paraíba para ser feito o fio, que é utilizado em vários segmentos”, revela.

Apesar dos avanços, Pimentel afirma que ainda há espaço para aprimorar o processo de destinação de resíduos do setor do vestuário de Apucarana. “Certos tipos de materiais a gente não absorve, é só o resíduo têxtil mesmo, de algodão. Por isso sempre pedimos a conscientização das empresas para não misturar lixo junto com os materiais, porque tem muitos que ainda acabam colocando de tudo no meio”, conta.

Elizabete Ardigo acrescenta que, mesmo com os esforços da prefeitura e do Sivale para divulgar o projeto, algumas indústrias do município seguem descartando resíduos têxteis incorretamente, especialmente entre as que não são associadas ao sindicato. “Infelizmente, não depende 100% do sindicato e do poder público, o que precisa é da conscientização dessas empresas”, diz.

Boas práticas
Se avanços ainda são necessários para algumas indústrias, outras podem ser consideradas referência na gestão de resíduos. É o caso da Blue Ocean Confecções, uma das principais fabricantes de bonés de Apucarana. Com mais de 240 colaboradores e capacidade para produzir 120 mil peças por mês, a empresa busca permanentemente aprimorar seus processos de separação e destinação de resíduos.

Gerente comercial da Blue Ocean, Licia Beatriz Garcia explica que a maior parte da produção está relacionada a licenças de grandes marcas de moda, além de magazines, o que faz com que a empresa seja constantemente auditada por essas companhias. Isso fez com que a indústria passasse por processos para obtenção de certificações ISO, incluindo a 14001, que estabelece requisitos e sistemas de gestão ambiental.

Atualmente, a empresa gera, em média, 1.300 quilos de resíduos de tecidos por mês. Desse total, cerca de 1 tonelada pode ser destinada a reciclagem ou reaproveitamento, com o restante precisando ter destinação ambientalmente correta. “De todo lixo que entregamos, precisamos ter laudos e recibos para comprovar que estamos destinando corretamente. Por isso, contratamos uma empresa certificada para fazer a coleta dos tecidos”, explica Beatriz.

A Blue Ocean também investiu na mecanização do processo de corte dos tecidos, o que contribuiu para a redução de desperdícios. Mas, além disso, é necessário um esforço permanente para que todos os colaboradores se engajem no processo. “É um trabalho diário de mudança de cultura para que seja feita a separação para destinação correta”, revela a gerente comercial.

Fonte: https://agenciafiep.com.br/2023/07/05/projeto-em-apucarana-contribui-para-destinacao-correta-de-residuos-texteis/

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